"Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia. Pois o triunfo pertence a quem se atreve... a vida é 'muito', para ser insignificante". Charles Chaplin.



terça-feira, 20 de novembro de 2018

Posicionamento do MIEIB sobre a revisão da Política Nacional de Educação Especial

O Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) – constituído por 26 fóruns estaduais e um fórum do Distrito Federal – movimento social de luta pelo direito à educação infantil pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade social, de caráter suprapartidário, com respeito às especificidades da primeira etapa da educação básica, compreendida como um dos direitos fundamentais das crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade, de acordo com a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei no 8069/1990 (ECA), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no 9394/1996 (LDB 9394/96), a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD/2009), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 2009 (DCNEI), o Plano Nacional de Educação 2014-2014 – Lei no 13.005/2014 (PNE) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência no 13.146/2015, torna público o seu posicionamento sobre a proposta de revisão da atual Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI/2008).
Os princípios que fundamentam as ações do MIEIB pautam-se na garantia do direito ao acesso e permanência das crianças nos sistemas públicos de educação; no reconhecimento do direito constitucional das crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade (independentemente de raça, idade, gênero, etnia, credo, origem sócio-econômica-cultural, etc.) ao atendimento em instituições públicas, gratuitas e de qualidade; na destinação de recursos públicos específicos e adequados, imprescindíveis ao bom funcionamento das Instituições de educação infantil; na indissociabilidade entre cuidar e educar visando ao bem estar, crescimento e pleno desenvolvimento da criança; na implementação de políticas públicas que visem à expansão e melhoria da qualidade do atendimento educacional abrangendo toda a faixa etária de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade e na identificação da educação infantil enquanto campo intersetorial, interdisciplinar, multidimensional e em permanente evolução.
Este posicionamento tem como referência a CF/1988 como marco legal da garantia do direito de todos/as à educação, do dever do Estado por sua plena efetivação, bem como, o garantido em legislação específica. Ao referir-se ao público-alvo da Educação Especial esse direito é complementado pelo inciso III, do art. 208, que assegura Atendimento Educacional Especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino, para todos/as: bebês, crianças, jovens, adultos e idosos.
A PNEE-EI/2008 aponta para mudanças significativas nos modos de se compreender a educação brasileira, ao enfocar o paradigma da educação inclusiva, reafirmando a importância de conceitos como democracia, diversidade, diferença e inclusão, alinhada aos movimentos de luta em defesa do direito à educação de todas as pessoas, incluindo o direito à educação das crianças e demais estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação em escolas ou classes comuns do sistema regular de ensino.
Na referida política, a educação especial passa a ser definida como: [...] modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008, s.n.).
É importante ressaltar o aspecto de transversalidade assumido pela Educação Especial, tal como a definição de AEE de caráter complementar e suplementar ao processo educacional das crianças e demais sujeitos, público-alvo da Educação Especial, não substitutivo.
Salientamos, ainda, que a PNEE-EI/2008 prevê que o AEE deva ser iniciado desde a educação infantil:
Do nascimento aos três anos, o atendimento educacional especializado se expressa por meio de serviços de estimulação precoce, que objetivam otimizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os serviços de saúde e assistência social. Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o atendimento educacional especializado é organizado para apoiar o desenvolvimento dos estudantes, constituindo oferta obrigatória dos sistemas de ensino. Deve ser realizado no turno inverso ao da classe comum, na própria escola, ou centro especializado que realize esse serviço educacional (BRASIL, 2008, s.n.).
A esse respeito, enfatiza-se a importância, também mencionada pela PNEE-EI, que os entes da federação devem atribuir à intersetorialidade, “visando à acessibilidade arquitetônica, aos atendimentos de saúde, à promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça” (BRASIL, 2008, s.n.). Portanto, as ações conjuntas e complementares são necessárias, todavia, o AEE deve ser ofertado pelos sistemas de educação e não pelos de saúde ou assistência social.
O entendimento de que o AEE é atribuição dos sistemas de educação é tão necessário que, posteriormente, o MEC publicou a Nota Técnica no 02 (BRASIL, 2015). No contexto do referido documento esse serviço deverá ser ofertado no âmbito das instituições de educação infantil, com a valorização das brincadeiras e interações, eixos norteadores do currículo destinado às crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade, com atenção especial aos espaços e tempos, organizados a partir da concepção de creches e pré-escolas como espaços inclusivos.
Prevê, ainda, sua inserção no Projeto Político-Pedagógico de cada Instituição Educacional; ser implementado por meio da participação de toda a equipe escolar; não deve ocorrer de modo substitutivo, promovendo a plena participação das crianças com deficiência; articular-se com as demais políticas intersetoriais e, vincular-se aos demais serviços da Educação Especial. Na referida Nota Técnica afirma-se que a professora ou o professor responsável pela organização dos serviços deve atuar em parceria com os demais profissionais da Instituição, com enfoque para o trabalho colaborativo com a/o profissional docente referência da turma, com o papel de atuar na eliminação de barreiras existentes no contexto da educação infantil, realização de estudos de casos e parcerias com as/os demais profissionais de creches e pré-escolas e mediador na articulação de ações intersetoriais.
Cabe ainda abordar o tema do laudo médico que, em algumas unidades da Federação, tem sido utilizado como condição para atendimento nos serviços de AEE, o que tem caracterizado rotulação, segregação e pouco investimento educacional na ampliação dos serviços da educação especial. De acordo com Nota Técnica no 04/MEC: “não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, uma vez que o AEE se caracteriza por atendimento pedagógico e não clínico” (BRASIL, 2014b).
Contudo, se reconhecem os inúmeros desafios para a efetivação do direito à educação infantil para as crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade em creches e pré-escolas, sobretudo para as crianças com deficiência. Por isso, a revisão da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva deve considerar a necessidade de ampliação do acesso e permanência de bebês e crianças pequenas às instituições públicas, gratuitas, laicas, inclusivas e de qualidade social, tal como preconizado nas DCNEI/2009 e no PNE/2014, com a garantia do atendimento educacional especializado, respeitando as especificidades da primeira etapa da educação básica.
Mediante o exposto, o posicionamento do MIEIB com relação à revisão da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva deve fundamentar-se nos seguintes princípios:
* Concepção de Educação Especial como modalidade transversal e fundamentada na perspectiva inclusiva, sem que sua revisão represente retrocessos frente às conquistas para o paradigma da PNEE-EI;
* Manutenção do Atendimento Educacional Especializado de caráter complementar e suplementar, jamais substitutivo, assegurando os processos de terminalidade;
* Garantia de que o Atendimento Educacional Especializado para crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos seja ofertado pelos sistemas de educação;
* Organização do Atendimento Educacional Especializado na educação infantil, respeitando as especificidades das crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade, matriculadas em creches e pré-escolas, considerando, ainda, a relevância de práticas pedagógicas fundamentadas na indissociabilidade entre cuidar e educar;
* Ênfase no papel das brincadeiras e interações na organização do Atendimento Educacional Especializado na educação infantil;
* Orientações sobre formação docente que articule as especificidades da educação infantil e da Educação Especial;
* Definição de formas para a viabilização do Atendimento Educacional Especializado em creches e pré-escolas inclusivas, pautado na organização dos tempos, espaços e materiais, que garantam a especificidade do trabalho pedagógico na educação infantil;
* A definição do público-alvo da Educação Especial não pode abrir precedentes para processos discursivos que estigmatizam bebês e crianças pequenas;
* Garantia de inexigibilidade de laudo médico (diagnóstico clínico) para acesso aos serviços de AEE;
* A ampliação da oferta da educação infantil e do Atendimento Educacional Especializado pela via direta em creches e pré-escolas públicas, gratuitas, laicas, inclusivas, democráticas e de qualidade social;
* Garantia da concepção do Modelo Social de deficiência em detrimento do Modelo Médico na fundamentação das políticas de Educação Especial;
* Garantia de ações intersetoriais, no sentido de complementar e não substituir o AEE;
* Na educação infantil, o AEE deve prever a participação das famílias, como uma dimensão essencial do desenvolvimento pleno das crianças.
Entretanto, compreende-se que qualquer revisão da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva precisa dispor de financiamento público adequado, de forma a garantir o acesso, permanência e a qualidade dos processos educacionais das crianças e demais estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Para tanto, defende-se que serão necessárias ações que articulem diferentes atores, movimentos e entidades que atuam em defesa do direito à educação, tais como: a revogação da EC no 95/2016 e a garantia do Fundeb como fundo público permanente contemplando toda a educação infantil pública.
Sem o financiamento adequado para viabilizar políticas educacionais, qualquer revisão de política pública poderá constituir-se como retrocesso no âmbito da efetivação do direito à educação no Brasil.
Se o texto submetido à consulta pública pelo MEC com a proposta de revisão da atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva não contemplar os princípios da educação inclusiva desde a educação infantil, tal como o documento PNEE-EI de 2008, correrá o risco de constituir-se num retrocesso na garantia do direito à educação pelo público-alvo da Educação Especial que, conforme a atual Lei de Diretrizes e Bases, é constituído pelas crianças e demais sujeitos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Por fim, o MIEIB ressalta que sem participação coletiva e amplo debate envolvendo diversos grupos sociais (movimentos sociais organizados, universidades, professores, estudantes, pesquisadores, entidades, famílias, dentre outros) sobre o importante papel da PNEE-EI/2008 não será possível viabilizar nenhuma revisão que tenha como foco o direito à educação de crianças e demais sujeitos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Sem participação, não há revisão!

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