"Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia. Pois o triunfo pertence a quem se atreve... a vida é 'muito', para ser insignificante". Charles Chaplin.



terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Pisos estaduais de Santa Catarina e o sagrado direito dos trabalhadores à alimentação


Por José Álvaro de Lima Cardoso*

Realizaremos hoje (15.01.19) a segunda rodada da negociação dos pisos salariais de Santa Catarina, como ocorre sempre neste período do ano desde 2011 (2º ano de vigência dos pisos). Esta é a nona campanha salarial dos pisos, a negociação mais abrangente (e talvez a mais importante) que os trabalhadores catarinenses realizam anualmente. Os pisos salariais foram implantados em Santa Catarina em 2010, decorrência de uma luta arrojada das entidades sindicais catarinenses, assessoradas pelo DIEESE. Apesar dos pisos terem sido implantados apenas em 2010, as ações haviam iniciado bem antes. No DIEESE elas começaram há 12 anos atrás, em 2006, quando os sócios do DIEESE em Santa Catarina decidiram que a luta pelos pisos estaduais seria o eixo principal da ação do Departamento no ano seguinte.
Em todo esse período de negociação dos pisos, desde que foram implantados em 2010, o pano de fundo foi a crise internacional que explodiu em 2008. A crise estourou em 2008, com impactos mais fortes no Brasil em 2009, ano em que os pisos foram aprovados, para vigorarem a partir de janeiro/10. Portanto, durante todos esses anos, negociamos tendo um pano de fundo geral de grave crise internacional, caracterizada por grande instabilidade financeira, juros exorbitantes, baixo crescimento, aumento do desemprego, etc. As campanhas salariais dos últimos anos têm sido as mais difíceis, em decorrência da dramática situação na qual o Brasil ingressou, com uma das mais graves crises da história do país, e um golpe de Estado coordenado pela maior potência estrangeira, por vários interesses, mas principalmente matérias-primas, com destaque para o petróleo.
A reivindicação dos trabalhadores na campanha 2018/2019 é a equiparação aos valores dos Pisos de Santa Catarina aos praticados no Paraná. O pleito é justo por algumas razões, dentre outras:

1. Com uma inflação em torno de 3,43% (INPC-IBGE) é hora de avançarmos no ganho real. O percentual baixo de inflação (para os padrões brasileiros) facilita ganhos reais, apesar da costumeira resistência patronal. Como a experiência da mesa dos pisos revela, com uma inflação mais alta é mais difícil a negociação de ganho real. O ganho real nos pisos, melhoraria um pouquinho a vida dos trabalhadores, que produzem, com seu suor, todos os lucros das empresas;

2. Não é o fato de que os preços variaram relativamente pouco, que o trabalhador não precise melhorar o seu salário real, que é muito baixo. Estamos falando aqui de pisos de R$ 1.110,00. O salário médio apurado pelo CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho), no Brasil, não está também muito acima: R$ 1.528,32. São salários de sobrevivência, para o trabalhador não morrer de fome. Em Santa Catarina o salário médio é de R$ 1.614,06, segundo o CAGED;

3.      Apesar do índice inflacionário acumular apenas 3,43%, o item alimentação pesa muito no orçamento do trabalhador. Uma cesta básica, para um adulto, está custando, segundo o DIEESE, R$ 457,82,00 (preço de Florianópolis em dezembro/18), o que representa mais da metade (52%) do salário mínimo nacional líquido. Este valor da cesta básica equivale a 42% do menor piso estadual de Santa Catarina. Estamos falando de uma cesta com 13 alimentos básicos, para suprir as necessidades calóricas de apenas um adulto, não é uma cesta para a família;

4. A negociação dos pisos, no fundo, é uma negociação por COMIDA. Os valores dos pisos que estamos negociando nesta campanha são de sobrevivência. Na prática, na negociação dos pisos se renegocia o direito do trabalhador, e sua família, poderem se alimentar em 2019. Com este valor de salário, o trabalhador não consegue fazer mais nada do que repor sua capacidade de comprar alimentos no mês;

5. A reposição da capacidade de comprar alimentos ocorre, ainda, de forma limitada já que, segundo o DIEESE, em 2018 a cesta básica em Florianópolis, para o consumo de um adulto, variou 9,37%. Ou seja, aumentou o equivalente a quase 3 vezes a elevação da inflação como um todo;

6. Outra forma de ver a questão é pelo o salário mínimo necessário, que é calculado pelo DIEESE como suficiente para a manutenção de uma família de quatro pessoas. Este deveria equivaler a R$ 3.585,98 em dezembro, o que representa 3,2 vezes o menor piso estadual de Santa Catarina;

7. As empresas vêm ajustando seus custos com mão de obra via redução do quadro de pessoal (quando necessário) e também através do rebaixamento salarial por meio da enorme rotatividade. Quando o desemprego é alto, como no momento, aumenta a diferença entre a média dos salários de demissão e de contratação. O salário de admissão no Brasil em outubro, de R$ 1.528,32, é quase 9% inferior aos R$ 1.672,00 de salário médio dos desligados. Ou seja, as empresas aproveitam a rotatividade para achatar salários;

8.      Isso significa que o pequeno ganho real na negociação dos pisos do ano passado (1%), foi largamente compensado com a utilização da rotatividade para diminuir salários reais, ou seja, diminuir poder de compra do trabalhador e aumentar margens de lucros das empresas;

9. Toda a negociação é feita com base em índices que medem a inflação no varejo. O problema é que, no atacado, temos o dobro do acumulado dos índices de varejo. Enquanto o INPC-IBGE totalizou 3,43% o IGP-M (calculado pela Fundação Getúlio Vargas) ficou em 7,54%. Um IGP-M de quase 8% em 12 meses, significa que os preços no Atacado (que compõem 60% do referido índice) estão aumentando num ritmo acima dos preços ao consumidor. Mais cedo ou mais tarde, tal aumento será repassado ao varejo, de forma mais ou menos veloz, a depender de outras variáveis, como nível de retomada do crescimento, nível de emprego, etc. Por isso é importante o aumento real. No primeiro semestre de 2019, a inflação anual poderá subir bastante, o que levará a queda inevitável e rápida do poder de compra. Temos que evitar que isso aconteça;

10.     Diferentemente do empresário, o trabalhador não dispõe de reservas financeiras. Dos 147 milhões de pessoas que votaram nas eleições de 2018, 120 milhões ganham até dois salários mínimos. Recentemente sofremos, inclusive, um golpe de Estado no país, no qual um dos objetivos era interromper um processo lento de melhoria dos valores salariais, a começar pelo Salário Mínimo. Qualquer elevação de preços compromete o orçamento do trabalhador, daí a importância de um ganho real de salários, mesmo que pequeno.



*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

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