"Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia. Pois o triunfo pertence a quem se atreve... a vida é 'muito', para ser insignificante". Charles Chaplin.



sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Para resolver a questão fiscal catarinense tem que enfrentar o problema da dívida pública


Por José Álvaro de Lima Cardoso*

No apagar das luzes de 2018, o governo de Santa Catarina revogou, através do Decreto 1.867/2018, uma série de isenções tributárias na esfera do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), medida que deve impactar vários segmentos da economia catarinense. Fim de subsídio tributário significa, na prática, aumento de imposto. No caso do referido Decreto, aumento de imposto para vários produtos, inclusive alguns que compõem a cesta básica de alimentos dos catarinenses. Além do fim dos subsídios, o Decreto reinstituiu a exigência cumulativa de 20% de exportação e saldo credor acumulado para empresas que se beneficiam do art. 9° do Decreto 105/2007 (Programa Pró-Emprego). 
O Decreto de dezembro revogou também o benefício que permitia à indústria catarinense adquirir alguns produtos sem a incidência de ICMS, como: sucatas de metal, fragmentos, aparas de papel, papelão, cartolina, plástico, tecido e resíduos de qualquer natureza provenientes de fornecedores de dentro do próprio estado, artefatos de couro e seus acessórios. Será afetada também pelo Decreto: a cesta básica de alimentos, carne bovina e bufalina, tijolo, telha, leite em pó, serviços de telemarketing e gás GLP. 
Isenções fiscais são políticas que podem ser adotadas a partir de estratégias de desenvolvimento, do fomento de setores da economia, do objetivo de gerar empregos ou conter de preços da cesta básica, etc. Como são políticas com grande repercussão social, e com certo grau de dificuldade para a sua compreensão (mesmo para o pessoal da área), deveriam ser discutidas com a sociedade, especialmente com os trabalhadores que são a esmagadora maioria da população. Os trabalhadores deveriam ser consultados, também, porque são fundamentalmente os que geram os impostos arrecadados pelo Estado. 
Consideremos que a estrutura tributária brasileira é regressiva, ou seja, em termos proporcionais, os mais pobres pagam mais impostos, já que o grosso da arrecadação advém de impostos indiretos. Ao contrário do imposto direto (cobrado diretamente sobre a renda ou patrimônio), o imposto indireto vem embutido no preço da mercadoria, isto é, esse tipo de imposto não diferencia as características do contribuinte. Dessa forma, o imposto incidente, por exemplo, num quilo de feijão é o mesmo para o trabalhador desempregado há um ano e um proprietário de um grande banco. O que é péssimo, porque o imposto eficiente é o progressivo, ou seja, aquele que cobra mais de quem pode mais. A composição da arrecadação em Santa Catarina ilustra bem a regressividade da tributação no Brasil: em 2017 o ICMS (imposto indireto que incide na circulação dos bens) respondeu por 79,16% da arrecadação bruta de impostos no estado. Com as devidas especificidades num país heterogêneo como o Brasil, a situação é muito parecida em todo o território nacional. 
É difícil imaginar com alguma certeza o que vem por aí, em termos de política econômica, porque o governo estadual é confuso e faz declarações muito genéricas, que mais dissimulam do que revelam. No entanto, com base nas manifestações do núcleo que irá governar, se torna evidente a linha geral do governo, que é de redução do tamanho do Estado em Santa Catarina. Recentemente o governador declarou que procurará tornar a gestão pública no estado “mais parecida com o do setor privado catarinense”. O que, convenhamos, seria um desastre se acontecesse, porque a administração pública pouco tem a ver com a gestão privada de empresas. Empresas privadas visam primordialmente o lucro, e atuam conforme as regras do mercado; governos deveriam atuar para melhorar a vida da maioria da população, especialmente da parcela mais pobre. Ou seja, um governo deve dirigir seus esforços para políticas que reduzam os prejuízos decorrentes da ação do mercado sobre a condição de vida das pessoas. Como as políticas de combate ao desemprego e à fome, que necessariamente têm que ser públicas (que nada têm a ver com ações de caridade empresarial ou familiar, que, apesar de importantes, estão longe de resolver o problema). 
Uma possibilidade (sobre a qual não disponho de informação) é a de que o Decreto emitido no final do governo anterior tenha sido feito de comum acordo com o governo que assumiu em janeiro/19. Se este for o caso, há uma evidente incoerência entre a linha geral do novo governo (que defende políticas ultra neoliberais) com o Decreto 1.867/2018, que está justamente reforçando a capacidade de ação do Estado, com o aumento de impostos indiretos, que impacta a população indiscriminadamente. 
O Decreto ameaça também o preço da cesta básica de alimentos já que o aumento do imposto incidente sobre os produtos, quase que inevitavelmente será repassado ao consumidor/trabalhador. Para uma minoria da população, que dispõe de renda elevada, os R$ 457,82 do preço da cesta básica para um adulto (preço médio de Florianópolis, em dezembro/18), está longe de preocupar. Sabe-se que quanto mais elevada é a renda, menos a alimentação pesa no orçamento familiar. Ocorre que a maioria da população vive na linha da sobrevivência. O salário médio apurado pelo CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho), em Santa Catarina é de R$ 1.614,06. 
A inflação, que é uma média de variação de preços de muitos itens, acumulou 3,45% nos últimos 12 meses, um percentual baixo para os padrões brasileiros. O problema é que, considerando o salário médio, o item alimentação pesa muito no orçamento do trabalhador. O mencionado valor da cesta básica de Florianópolis equivale a 42% do menor piso estadual de Santa Catarina. Estamos falando de uma cesta com 13 alimentos básicos, para suprir as necessidades calóricas de apenas um adulto, não é uma cesta para a família. 
Historicamente os trabalhadores de Santa Catarina não são chamados pelo governo, através de suas entidades, para discutir as políticas públicas em geral, como a tributária, de mercado de trabalho, industrial, de preços ou combate à pobreza. Quando tais políticas são encaminhadas, na melhor das hipóteses se consulta as entidades patronais, cujos membros, apesar de representarem parte muito minoritária da sociedade, ocupam as secretarias estratégicas e mantém relações muito estreitas com o poder estabelecido.
Faltam informações no momento para estimar em quanto a arrecadação será incrementada com a revogação das isenções tributárias previstas no Decreto. No entanto, Santa Catarina gastou bilhões com o serviço (juros, amortizações e encargos) da dívida pública nos últimos anos, e o seu estoque só cresceu. Mesmo sendo um verdadeiro “saco sem fundo” das finanças estaduais, praticamente não se discute a questão, não se analisa como a dívida se formou, sua legitimidade, etc. 
Cada governo que assume procura de todas as formas melhorar o desempenho das contas públicas, mas toma o pagamento do serviço da dívida como algo que não deve nem ser discutido. É como se o pagamento dos credores fosse uma definição divina, a qual não se pudesse questionar ou procurar entender melhor. No entanto, a dívida pública catarinense (como no caso do Brasil) leva boa parte dos recursos do Estado e dificulta muito as ações que seriam fundamentais no setor público no campo da saúde, educação e desenvolvimento. Os juros e amortizações da dívida é como se fossem um parasita gigante que retira boa parte dos nutrientes e energia do poder público. Os governos que se sucedem, ao invés de enfrentar o problema da dívida, preferem a saída mais fácil, que é a penalização dos servidores públicos e dos trabalhadores das estatais, como se esses fossem os causadores das dificuldades fiscais.

*Economista.

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